DA INEXISTÊNCIA DE ILICITUDE INDENIZÁVEL NO RECALL

 A abertura de campanha de chamamento, o recall, é procedimento lícito e exigível dos fornecedores quando constatado risco à saúde e/ou segurança dos consumidores em virtude de algum defeito constatado no produto inserido no mercado. Trata-se de instrumento preventivo característico de uma sociedade de consumo, previsto no art.10 e parágrafos da Lei Federal 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor.

 Na verdade, existe um paralelo entre a responsabilidade pós-contratual e a prática do recall, aplicando-se o princípio da boa-fé nessa fase negocial. O recall evita, justamente, que o fornecedor suporte uma gama enorme de ações de indenização daqueles que, eventualmente, sofreriam prejuízos. Trata-se de procedimento preventivo no qual o fornecedor se antecipa ao evento danoso.

 No Brasil, contudo, é comum que um consumidor de um produto envolvido em campanha de chamamento ingresse com medida judicial buscando indenização por danos morais. Os Tribunais, contudo, têm entendido que a disciplina legal da campanha de chamamento (Portaria nº. 487/12 do Ministério da Justiça) apenas impõe que as medidas corretivas do defeito sejam informadas aos consumidores, bem como aos órgãos de defesa do consumidor, em especial o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC – vinculado ao Ministério da Justiça. Isto é, se houvesse alguma irregularidade nos prazos e formas de atendimento divulgados na campanha, teriam as próprias autoridades consumeristas se insurgido ou penalizado o fornecedor – o que, via de regra, não ocorre.

 Sobre a ausência do dever de indenizar, colaciona-se posição do Superior Tribunal de Justiça, ratificando a ausência de agressão ao patrimônio imaterial do consumidor: “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CHAMAMENTO POR MONTADORA DE VEÍCULO PARA CORREÇÃO DE DEFEITO. CORREÇÃO EFETIVADA. DANO MORAL INEXISTENTE. O simples chamamento de montadora de veículo para corrigir defeito de fabricação em cinto de segurança não constitui, por si só, em ato ofensivo à vida, à honra, à segurança, à saúde ou mesmo à tranquilidade, capaz de gerar indenização por dano moral. A tese defendida pela embargante de que o dano moral ocorreu no momento em que a empresa convocou os usuários para o conserto do veículo não tem o conforto do melhor entendimento jurídico. É impossível a violação de um direito sem a causação de um dano. O único transtorno sofrido ao tomar conhecimento da convocação foi dirigir-se à concessionária onde o defeito foi reparado. Não sofreu a autora qualquer choque emocional que pudesse autorizar a incidência do dano moral. Mais não precisaria ser dito, a não ser reafirmar que a parte promovente tentou transformar a ação de indenização por dano moral em panaceia para todos os males, olvidando-se que não se pode utilizá-la para alcançar objetivo escuso, qual seja, o enriquecimento ilícito.” (STJ – Quarta Turma - AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 675.453 - PR – Rel. Min. Aldir Passarinho Jr. – j. 14/02/06 – p. 13/03/06)” (TJSP, 1003365-10.2017.8.26.0306).

 Como se vê, trata-se de procedimento lícito, previsto pelo Código de Defesa do Consumidor e que, uma vez cumpridas as obrigações acessórias homologadas pelos Órgãos Reguladores, não configura prática de ato ilícito hábil a gerar indenização.