A Reforma Tributária é um dos temas mais debatidos da atualidade. Existe uma grande expectativa de que o sistema passe por uma significativa simplificação e uniformização. Há ainda, inúmeras alegações de que a reforma tributária seria capaz de aumentar o PIB nacional[1].
De fato, o sistema tributário nacional é extremamente complexo, o custo de compliance assumido pelas empresas é desproporcional e o grau de litigiosidade do sistema é alto[2]. Temos todos os elementos para insegurança por parte de investidores e empresas.
Um exemplo disso é o ICMS, tributo calculado “por dentro”. Em virtude da complexidade do cálculo, a população desconhece a alíquota efetiva do imposto pago sobre os produtos que são consumidos, o que prejudica a transparência fiscal.
A necessidade de reforma do sistema atual acaba sendo uma pauta recorrente.
Nesse contexto, parece adequado um estudo da prática internacional, sem prejuízo de adequação às necessidades nacionais.
A título exemplificativo, vejamos algumas características do sistema VAT, adotado pelo Reino Unido. O tributo é cobrado sobre uma base ampla (bens e serviços). [3] Há uma alíquota padrão (de 20%), uma alíquota reduzida (5%), a alíquota 0[4], bem como produtos isentos do VAT[5]. O sistema é também plenamente não cumulativo[6].
Segundo dados coletados, atualmente, mais de 170 países adotam alguma forma de VAT ou IVA[7], com algumas particularidades (tais como alíquotas adotadas, repartição de competências, isenções, entre outros aspectos).
Além do VAT ou IVA, muitos países cobram também “Excise Tax”, um tributo indireto cobrado sobre determinados produtos (muitas vezes considerados como nocivos, tais como o álcool e tabaco).[8]
Tais aspectos mencionados são muito semelhantes ao que está sendo discutido sobre a reforma tributária no Brasil. É continuamente mencionado que devem existir poucas alíquotas, o sistema deve ser simples, a base de cobrança deve ser ampla (abrangendo todos os bens e serviços) e o sistema deve ser plenamente não cumulativo.
As próprias PECs propostas, de nºs. 45 e 110/2019, já possuem medidas de uniformidade, simplificação, além de contribuírem para a mitigação de graves problemas do sistema atual, tais como a não cumulatividade e guerra fiscal.
Estando mais que detectada a necessidade de simplificação do sistema tributário, a conclusão lógica seria o debate técnico e a delimitação do sistema a ser adotado, com ponderação das particularidades nacionais.
No entanto, a efetiva simplificação do sistema parece ser um resultado de difícil obtenção, diante dos incontáveis interesses envolvidos.
Além disso, há uma enorme pressão advinda das questões orçamentárias (em especial, da necessidade de manter a arrecadação dos Estados e Municípios)[9].
Nesse conturbado contexto, no dia 06/06/2023, foi divulgado o Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária, que analisou o sistema tributário atual e concluiu pela necessidade de alteração deste em caráter urgente, o que não é exatamente uma surpresa. Para isso, analisou as soluções propostas conferidas pelas PECs nºs. 45 e 110 de 2019.
As conclusões serão utilizadas para elaboração do texto substituto da PEC 45/2019, que será votado. Assim sendo, o relatório é mais uma diretiva, do que propriamente a solução para muitos dos debates que estão sendo travados.
O foco principal do trabalho, em resumo, é a tributação sobre o consumo, com a eliminação dos impostos (ICMS, IPI, PIS, COFINS e ISS) por um imposto único – Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e por um imposto seletivo sobre bens considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
O IBS - ao menos no projeto inicial - terá uma ampla base de cálculo, incidindo sobre bens e serviços. Uma das características mais marcantes do IBS é a não cumulatividade plena (de forma que o imposto pago seja efetivamente deduzido do imposto a pagar).
A cobrança do IBS deve ser efetuada no destino. O sistema deverá propiciar a rápida devolução de créditos acumulados. O IBS também não deverá integrar sua própria base de cálculo.
Além disso, se pretende uma alíquota padrão (embora possa comportar exceções para saúde, educação, transporte, produção rural, entre outras hipóteses).
No que tange ao imposto seletivo, proposto no relatório, esse deverá funcionar como uma espécie de sobretaxa cobrada para produtos que prejudicam a saúde e o meio ambiente (com possível comparação ao já mencionado “Excise Tax”).
No entanto, com a leitura do relatório divulgado, restou claro que há uma efetiva dificuldade para a adoção de um sistema simplificado, diante de muitos interesses a serem conciliados, para que haja a aprovação da reforma tributária.
Para elaboração do texto substituto, o Grupo de Trabalho apresentou como diretriz um modelo de IVA dual (um da União e outro compartilhado entre os estados e municípios). A sistemática deverá ser idêntica, inclusive no que tange as alíquotas e a não cumulatividade plena.
Há, ainda, proposta para criação de um Conselho Federativo, composto pelos entes subnacionais, para o exercício uniforme das competências tributárias em todo o território nacional. Existe também a previsão de regimes tributários favorecidos, como a manutenção da Zona Franca de Manaus e do Simples Nacional, bem como a previsão para a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional, com objetivo de reduzir desigualdades regionais, que deverá ser mais detalhado com a apresentação do texto substitutivo da PEC 45/2019.
Em princípio, os benefícios fiscais de ICMS, convalidados até 2032, seriam respeitados.
Existem ainda regimes específicos para imóveis, serviços financeiros, seguros, combustíveis e lubrificantes (o que, por sua vez, também acontece em outros países que adotam o IVA/VAT).
O grupo ainda recomenda a adoção de cashback, consistente na devolução de parte do imposto para famílias de renda baixa.
Para a aprovação da PEC, o texto deverá ser aprovado nas duas casas legislativas, em dois turnos, com quórum de três quintos. É exatamente nessa fase legislativa que o Projeto pode sofrer mudanças consideráveis, distanciando o novo sistema dos princípios e objetivos que deram origem ao complexo movimento de reforma.
A equipe do SAEKI ADVOGADOS permanece à disposição para auxiliá-los em todos os procedimentos necessários.
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[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2023-06/tebet-reforma-tributaria-pode-incrementar-pib-em-1-partir-de-2025#:~:text=%E2%80%9CDe%20acordo%20com%20um%20estudo,crescimento%20de%2015%25%20a%20mais.
[2] https://www.conjur.com.br/2022-out-05/consultor-tributario-gera-tantos-litigios-tributarios
[3] https://www.gov.uk/how-vat-works
[4] https://www.gov.uk/vat-rates
[5] https://www.gov.uk/guidance/rates-of-vat-on-different-goods-and-services
[6] https://www.gov.uk/guidance/vat-guide-notice-700#section10
[8] https://taxation-customs.ec.europa.eu/taxation-1/excise-duties_en
[9] Tanto é assim, que as propostas iniciais para transição entre um sistema e outro, ocasionariam ainda mais complexidade para os contribuintes, o que acabou atrasando a reforma tributária. Além disso, atualmente ainda se fala em assegurar a manutenção das receitas por décadas, por intermédio de elaborados mecanismos de transição.